Resumos


Quinta-feira, 21 de Fevereiro de 2013


Painel I - Protagonistas e Instrumentos de Internacionalização da Ciência

João Brigola (CEHFCi, UÉvora) - As Viagens Filosóficas e o conhecimento da natureza: internacionalização da História Natural

“Os escassos seis anos que decorrem entre o fim do pombalismo e o início das viagens de exploração científica aos territórios ultramarinos (1777-1783) assinalam uma mudança decisiva na natureza institucional dos estabelecimentos museológicos da Ajuda. O Real Museu e o Jardim Botânico mantêm naturalmente os laços orgânicos à Casa Real, até pela proximidade física ao Palácio, e continuam a cumprir os objectivos cortesãos de instrução ilustrada dos príncipes e de espaço lúdico dos monarcas e do seu círculo convivial. Contudo, alargam-se visivelmente as atribuições funcionais conferidas pela Coroa no âmbito de estratégia governativa protagonizada por Martinho de Melo e Castro (1716-1795), ministro pombalino que resistira bem à renovação mariana e que continuava a assegurar a Secretaria de Estado dos Negócios Ultramarinos.
Para a Ajuda passam a ser despachadas abundantes ordens, pela normal cadeia burocrática do Estado, associando esta repartição pública, com o seu crescente quadro de funcionários, a objectivos governamentais de carácter económico e político relacionados, fundamentalmente, com as viagens de reconhecimento do topos e da physis metropolitanos e ultramarinos, com manifesta prioridade para o território brasileiro.
Domingos Vandelli (1835-1816), invocando a experiência pessoal adquirida nas viagens filosóficas italianas e o programa pedagógico de envolvimento dos seus alunos no reconhecimento dos recursos naturais do Reino, declarava-se apto a dirigir a profissionalização de uma equipa de viajantes-naturalistas. A elaboração de Instruções de viagem é uma ideia aqui claramente expressa, abrindo caminho a um verdadeiro género de literatura científica (de que Vandelli foi precursor entre nós), cuja genealogia remontava às Instruções linneanas da década de cinquenta.
A ideia agregadora do projecto de expedição científico-militar fora a urgência em selar um acordo fronteiriço entre as potências coloniais peninsulares, mas alargar-se-á rapidamente ao domínio da inventariação de recursos naturais pela mão do Ministro Martinho de Melo e Castro, com quem Vandelli passará a tratar dos preparativos das grandes viagens filosóficas, americana, africanas e asiática. Doravante, será pelo complexo científico da Ajuda (Museu, Jardim Botânico, Laboratório Químico, Casa do Risco, e Livraria) que passará, não só o estágio profissionalizante dos viajantes-naturalistas, como também todas as operações decorrentes da construção ideal do "Grande Museo, que sirva de deposito, e archivo para estas Riquezas dos seus Estados"

Rafael Campos (CHAM, FCSH-UNL) - O internacionalismo da medicina portuguesa: teses de Luso-brasileiros em Montpellier

Este trabalho é parte de discussão doutoral, que busca analisar as teses médicas desenvolvidas por portugueses nascidos na América, acerca da varíola, tuberculose e erisipela. Defendidas em Montpellier, ao invés de Coimbra (como ocorreu com a quase totalidade dos nascidos na América), estas teses não estavam desconexas ao contexto de busca por cura de doenças que grassavam no contexto europeu. Apesar de quase desconhecidos, tais trabalhos podem ser observados como parte de um amplo e diverso conjunto de tentativas para restringir, e mesmo aplacar, a existência de tais doenças. Em um período conturbado como a Revolução Francesa, muitos dos luso-brasileiros que para lá foram, terminaram por se envolverem nas tramas libertárias e atuaram na Inconfidência Mineira, Confederação do Equador e Conjuração dos Suassunas. José Joaquim da Maia Barbalho (também conhecido por Vendek), por exemplo, teve relações com Thomas Jefferson (então Embaixador em França). Mas outros também se influenciaram pelas “ideias francesas”, como Francisco Arruda da Câmara (irmão do conhecido Manoel Arruda da Câmara). Francisco A. Câmara participou da Conjuração dos Suassunas e seu irmão era membro da Sociedade Literária do Rio de Janeiro. Para além de suas atuações políticas, nos interessa observar comparativamente o quadro acadêmico em Portugal, frente outras potências europeias. Neste sentido, o exercício das funções de Inspetor do Jardim Botânico do Grão-Pará e Físico-Mor da capitania não foram exclusivamente por ausência de pessoal capacitado, mas se pode analisar a tese de Francisco Arruda da Câmara como uma preocupação com a alta mortalidade da varíola. Para tanto, comparamos conceitos médicos buscando perceber as proximidades e distanciamentos entre estes ilustrados luso-brasileiros frente às concepções médicas características do iluminismo europeu, principalmente o português (Universidade de Coimbra), francês (Universidades de Montpellier e Paris), inglês (Royal College of Physicians) e escocês (Royal College of Physicians of Edinburgh). Neste sentido, não só a presença de ilustrados luso-brasileiros em França, mas o desenvolvimento de suas teses contextualizadas às investigações europeias, evidencia a diversificação da rede portuguesa de conhecimentos, no que se refere à formação de quadros capacitados e atentos aos interesses da Coroa.

Maria Fátima Nunes e Maria João Alcoforado (CEHFCi, UÉvora e CEGeográficos) - Meteorologia e as observações instrumentais: a emergência da construção de redes internacionais XVIII-XIX
Inserido em KLIMHIST: Reconstruction and model simulations of past climate in Portugal using documentary and early instrumental sources (17th-19th century) [(PTDC/AAC-CLI/119078/2010. Esta comunicação contou com o contributo de Raul Figueiredo, tendo sido usado a informação sistematizada no seu  paper «O Observtório Meteorológico de Luanda (1875-1881): um espaço de ciência colinial» no âmbito do Mestrado de Estudos Históricos Europeus _ U.Evora.

No contexto da ciência e da prática científica do século XVIII as observações e os registos instrumentais meteorológicos foram ganhando estatuto de um saber «útil, esclarecido de Nações cultas». Registar, por via instrumental, as características meteorológicas de pluviosidade, de temperatura e por vezes de pressão, ainda que usando diferentes sistemas de referência de unidade, significava entender e poder planear a Natureza. Signo mágico para todo o entendimento público de Ciência no contexto de um mundo tocado pelo progresso científico decorrente do Newtonianismo.
As observações meteorológicas instrumentais iniciam-se no âmbito da sociabilidade científica da época, sendo o momento inaugural a própria construção dos instrumentos científicos. Cartas que se cruzam com dados meteorológicos instrumentais, sócios de Academias da Europa que trocam ideias que se entusiasma e fazem nascer as observações em território de um Estado Nacional. Portugal fez parte deste movimento de internacionalização meteorológico setecentista. Médicos e Militares encarregaram-se de obter pluviómetros, termómetros e por vezes barómetros, para medir a pressão atmosférica. Registos comunicados a Academias de Ciência, como a de Lisboa, dados divulgados na imprensa literária e científica da época, informações inseridas em observações estatísticas. Assim, teremos como protagonistas da meteorologia em Portugal figuras como Jacob Chrysostomo Pretorius, Joaquim da Assumpção Velho, Marino Miguel Franzini, entre outros. Pais fundadores das observações instrumentais meteorológicas, actores da construção de uma rede de meteorologia, um dos pilares da modernidade do Estado do século XIX e XX.

Daniel Gamito Marques (CIUHCT, FCT-UNL) - PARA ALÉM DE TREZENTAS BRAÇAS SUBMARINAS: BARBOSA DU BOCAGE E A PROCURA DE VIDA MARINHA A ALTAS PROFUNDIDADES (1864-1874)

A presente comunicação analisa a influência da descoberta da espécie Hyalonema lusitanicum por Barbosa du Bocage (1823-1907) no contexto científico internacional. Em 1864, Bocage publicou a descoberta de uma nova espécie do género Hyalonema ao largo da costa portuguesa numa das revistas científicas mais prestigiadas da época, Proceedings of the Zoological Society of London. Esta descoberta surpreendeu zoólogos de relevo internacional como J. E. Gray e C. G. Ehrenberg, uma vez que os exemplares de Hyalonema até então conhecidos tinham sido recolhidos apenas ao largo da costa japonesa. Através da sua descoberta, Bocage alimentou a discussão existente a nível internacional acerca da natureza do organismo de dois modos distintos: (1) fornecendo espécimes a naturalistas de outros países, o que facilitou o estudo do organismo e a descrição das suas características, e (2) contribuindo para a refutação da teoria azóica de Edward Forbes, ao notar que os novos espécimes teriam sido recolhidos a profundidades acima de trezentas braças, o limite genericamente aceite pela comunidade científica para a existência de vida submarina, apesar da existência de algumas observações em contrário. Ao publicar a sua descoberta num periódico de visibilidade internacional, Bocage criou um contexto favorável à colaboração com outros naturalistas, como Perceval Wright, que viajou propositadamente a Lisboa, em 1868, para recolher espécimes de Hyalonema e determinar a profundidade a que estes se encontravam. Posteriormente, em 1870, a célebre expedição de W. B. Carpenter e Wyville Thomson a bordo do HMS Challenger confirmou estes resultados, consagrando o abandono da teoria azóica de Forbes e confirmando a natureza da Hyalonema. Este episódio mostra como a internacionalização do trabalho de Bocage, bem como a sua aposta na construção de uma rede científica de âmbito internacional, foram elementos determinantes para a visibilidade da sua descoberta e, em última análise, para a construção do conhecimento científico relativo à vida marinha a grandes profundidades.

Cármen Almeida (CEHFCi, UÉvora) - A Fotografia no Portugal Oitocentista: Estratégias e redes de divulgação no contexto científico internacional

Após os trabalhos de Barry Barnes, de Steven Shapin e de Donald Mackenzie, centrados na análise crítica dos saberes científicos, e com os contributos posteriores de Harry Collins (enfoque mais sociológico do que histórico), a nova História passou a eleger como seu objecto o conhecimento da forma como são negociados quotidianamente os “factos científicos” e a demonstração da infinita flexibilidade das suas interpretações.
Os trabalhos posteriores de Latour e Callon deslocaram os centros de interesse para fora dos meios científicos, procurando compreender o peso das práticas laboratoriais, passando a questão a ser, não tanto o saber como as proposições dos cientistas se tornavam epistemologicamente verdadeiras, mas antes o descrever de como os enunciados, através dos objectos e das práticas, se impunham na competição cognitiva e social. Estas novas proposições geraram novos objectos e novas abordagens para a História das Ciências, nomeadamente o estudo das redes de circulação e de validação das aparelhagens e dos instrumentos científicos.
Já no nosso século a história das ciências, à semelhança da história cultural, passou a recusar as noções passivas de difusão e de recepção e a realçar as noções mais activas de representações e de apropriações historicamente situadas, bem como a existência de uma variedade de regimes de validação dos conhecimentos.
Estas novas abordagens têm vindo a reflectir-se também na História da Fotografia. André Gunther, por exemplo, defende que a história da fotografia, como toda a prática científica, não é constituída por uma sucessão de etapas técnicas, modificando as capacidades disponíveis, mas sim pela formação e circulação de quadros interpretativos que determinam o seu uso (encontramos aqui o reflexo de alguns paradigmas da nova História da Ciência, reconhecendo-se as influências de Bruno Latour e de M.Callon, entre outros).
É neste enquadramento que fotografia e fotógrafos, sejam eles cientistas, profissionais ou amadores, passam a entrar no mundo da história da fotografia como objecto de estudo. O laboratório, ou atelier fotográfico, a rede de contactos internacionais estabelecidas pelos primeiros fotógrafos e inventores fotográficos (fossem eles cientistas ou amadores), as vias de comunicação e os espaços utilizados como âncora da divulgação da nova prática, os artigos e revistas da especialidade fundadas e dirigidas para a divulgação e dignificação da nova descoberta, testemunho de verdadeiras retóricas de persuasão e a participação em exposições e inventos internacionais, passaram a constituir marcas de um universo de prática científica, de sociabilidade científica, de uma matriz de profissionalização em torno da construção do aperfeiçoamento e da inovação de um novo objecto da ciência: a fotografia.
Paralelamente, durante a última década, tem sido dada uma importância crescente à circulação e popularização da ciência e da tecnologia, quer nos centros, quer nas periferias da Europa, bem como aos estudos de caso que, historiograficamente, enriqueçam a compreensão de “particularidades” destes aspectos em países que, até agora, não tiveram visibilidade na produção científica.
No caso da fotografia, o estudo da sua história em países periféricos, isto é, fora do tradicional centro de produção e circulação europeu, bem como o estudo da produção e da circulação das imagens fotográficas em contextos disciplinares tão diversos como a medicina, a química, a astronomia e a meteorologia têm vindo a contribuir para o aprofundamento do estudo da formação e circulação dos quadros interpretativos que determinaram o seu uso e a sua prática nos mais diversos contextos sociais, económicos e geográficos.
No contexto português emergem, durante o séc. XIX, alguns exemplos de práticas de comunicação e afirmação dos fotógrafos/inventores nacionais no contexto internacional, desde os primeiros casos de participação, a título individual, de Frederick Flower, Barão de Forrester e Russel Manners Gordon (Conde de Torre Bela) e, posteriormente de Carlos Relvas, em exposições e/ou revistas internacionais, passando por estratégias colectivas de afirmação de fotógrafos/inventores portugueses (Secção Photographica da Direcção Geral dos Trabalhos Geodésicos, I Exposição Internacional de Photographia do Porto, por exemplo).
No anonimato, ou no esquecimento, ficaram contributos importantes de fotógrafos, amadores ou profissionais, e de inventores portugueses que, por não se inserirem em redes internacionais ou em qualquer estratégia de persuasão, a sua acção ficou desconhecida, ou pouco valorizada, como sejam os casos de Domingos Pinto de Faria ou de António Augusto de Aguiar.

Elisabete Pereira (CEHFCi, UÉvora) - Colecções privadas portuguesas no contexto científico internacional – António Paes da Silva Marques e Francisco Tavares Proença Júnior.

O interesse pelas antiguidades e identidades regionais, no âmbito do estudo da «Terra» e do «Homem Português», foi prolífico na formação de colecções e «museus» privados espalhados pelos mais remotos locais de norte a sul do país. Essas práticas coleccionistas dos séculos XIX e XX, habituais junto de alguns membros da elite ilustrada, estavam frequentemente integradas em redes globais de disseminação do conhecimento. Os objectos colectados eram difundidos internacionalmente e as colecções/«museus» privados eram frequentados por curiosos, eruditos e inclusivamente académicos nacionais e estrangeiros. Esta internacionalização decorria da frequente colaboração dos coleccionadores com instituições e cientistas, trocando conhecimentos, documentos e objectos, mas também da «profissionalização» de alguns destes «amadores» que passaram a projectar as suas persoane em congressos científicos internacionais ou em reconhecidas revistas da especialidade.
Evidenciando a importância das colecções como fontes para a história da ciência, nesta comunicação abordaremos os percursos de António Paes da Silva Marques e de Francisco Tavares Proença Júnior, bem como a forma como as suas colecções se projectaram no contexto científico internacional e contribuíram, quer para a valorização da história e patrimónios locais, quer para a criação de conhecimento científico.
Bibliografia:
DASTON, Lorraine; SIBUM, Otto (2003). “Scientific Personae and their histories”. Science in Context. 16: 1-8.
HEIZER, Alda L.; LOPES, M. Margaret (2011). Colecionismo, práticas de campo e representações. Ed. Campina Grande: EDUEPB.
LEVINE, Philippa (1986) - The Amateur and the Professional. Cambridge Cambridge University Press.
 FERREIRA, Ana Margarida (2004) - Arqueologia: Colecções de Francisco Tavares Proença Júnior. Edição do Instituto Português de Museus, Castelo Branco.

Pedro Marques (Faculdade de Letras, UL) - José Leite de Vasconcelos e o Additamenta Nova ad Corporis vol II de 1913

Após o falecimento de Emílio Hübner em 21 de Fevereiro de 1901, Hermann Dessau ficou incumbido de terminar o Additamenta do CIL II. Leite de Vasconcelos havia fornecido a Hübner várias novidades epigráficas, quer através de cartas, quer pela sua revista O Archeologo Português. O último fascículo que o epigrafista alemão recebeu consistiu no n.º 4 do volume V. Após este caderno, o investigador português continuou a descobrir e publicar inscrições romanas inéditas, que figuraram no Additamenta Nova ad Corporis vol II, terminado por Dessau e editado em 1913. Assim, pretendemos analisar na nossa conferência o contributo de Leite de Vasconcelos no terminus do processo iniciado por Hübner.

Sara Silva (Faculdade de Letras, UL) - Reynaldo dos Santos (1880-1970): entre internacionalismo científico e o “diletantismo” artístico

Reynaldo dos Santos (1880-1970) foi uma das figuras cimeiras da Cultura Portuguesa, sendo uma personalidade estruturante na História da Medicina Portuguesa e na Historiografia de Arte. O seu trabalho na Medicina foi além da pedagogia, sendo no campo da cirurgia experimental que conseguiu importantes avanços nas áreas de Arteriografia e Angiografia. Paralelamente a estas conquistas científicas, no âmbito da cirurgia, desenvolve investigações notáveis sobre o património artístico português, promovendo publicações e exposições. Terminado o seu curso de Medicina, em Portugal, no ano de 1903, o seu espírito investigador e de cientista leva-o a França onde complementa a sua formação cirúrgica. Na sua viagem aos Estados Unidos, em 1905, conhece o francês Alexis Carrel (1873-1944), sendo a influência de Reynaldo preponderante na carreira de Carrel permitindo-lhe o desenvolvimento das suas pesquisas que culminaram no prémio Nobel (1912). Reynaldo conseguiu obter relevância mundial na investigação sobre arteriografia e aortografia (1929). Foi o inventor do urorhytmographo (1908) e autor de trabalhos científicos que contabilizam 252 publicações sobre Medicina e 148 sobre História de Arte. Esta figura de vulto para a intelectualidade portuguesa, destacou-se como continuador das descobertas de Egas Moniz (Nobel, 1949) e um dos principais fundadores da Escola Portuguesa de Angiografia. Reynaldo ganhou inúmeros prémios e condecorações internacionais, em Medicina e Arte. Este médico português teve a perfeita noção que privou com os mestres da medicina americanos, ainda pouco conhecidos na Europa, e que também ele fez parte da elite científica da época, embora sendo uma figura de “segundo plano” na ciência portuguesa, notabilizou-se pelo seu “diletantismo” pela Arte. Embora tivesse assumido a presidência da Academia das Ciências de Lisboa, desde 1959, como sucessor de Júlio Dantas, a seu pedido, renuncia do cargo em 1961, para se dedicar exclusivamente à Academia Nacional de Belas Artes, da qual foi presidente durante 30 anos, sendo uma figura preponderante na internacionalização da Arte Portuguesa.
O papel de Reynaldo dos Santos na sociedade portuguesa espelha os condicionalismos políticos de uma época: um desenvolvimento científico pouco encorajado pelo Estado e “uma política de espírito” que visava o enaltecimento artístico como forma de propaganda internacional. Deste modo, Reynaldo é um paradoxo da sua época, conseguiu imprimir o seu cunho no panorama cultural nacional, sendo a sua carreira científica valorizada, sobretudo, internacionalmente (Medalha de Ouro da Société Internationale d'Urologie, 1936 e a Medalha de Ouro (Violet Hart Fund), prémio de cirurgia vascular de Rudolph Matas, 1937). É inegável que os seus propósitos de investigação/publicações/exposições preencheram uma parte substancial da política cultural do “Estado Novo” notabilizando-o no campo da História da Arte. Contudo, Reynaldo dos Santos sempre teve uma atitude inconformista com os recursos culturais e científicos do seu país procurando ir sempre mais longe, no campo do conhecimento. Esta tenacidade permitiu-lhe construir um currículo invejável, a todos os níveis e, distingui-lo como um homem integrado numa época específica, mas com uma mentalidade mais lúcida e à frente do seu tempo, como a “geração de 70”, que tanto admirava.


Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 2013


Painel II - Agentes e Dinâmicas da Internacionalização Científica


Ana Cardoso de Matos e Liliana Pina (CIDEHUS e CEHFCi, UÉvora) - O papel dos Congressos e das Exposições Universais no desenvolvimento da telegrafia eléctrica em Portugal (1855 - 1879)

A partir da 1ª Exposição Universal, que teve lugar em Londres em 1851, organizaram-se regularmente Exposições Universais ou Internacionais, nas quais foram apresentados os mais recentes desenvolvimentos da ciência, da técnica e da indústria. Durante o período em que decorriam estes certames organizaram-se congressos, que permitiram discutir os grandes problemas técnico-científicos, ou de organização industrial que então afectavam o mundo industrializado. Estes congressos eram particularmente importantes para estipular normas internacionais e procedimentos essenciais às tecnologias, que determinavam a construção de networks que ultrapassavam as fronteiras nacionais, como foi o caso da telegrafia eléctrica.
Não obstante o seu lugar geograficamente periférico a nível Europeu, Portugal não ficou à parte desta realidade. Especificamente no que respeita ao desenvolvimento da telegrafia eléctrica em Portugal,  a segunda metade do século XIX foi marcada pela circulação internacional de pessoas, ideias e tecnologia. A mobilidade e o espírito de cooperação internacional foi fundamental para o estabelecimento de normas na implementação de infra-estruturas que se implementavam além fronteiras e cuja articulação se tornava necessária para a criação das primeiras redes de comunicação eléctrica.
A presente comunicação tem dois objectivos principais. Em primeiro lugar, pretendemos reflectir sobre a participação dos quadros de direcção dos serviços telegráficos nos congressos internacionais e a sua influência no modo de organização e implementação da telegrafia eléctrica em Portugal. Neste caso, interessa destacar a acção de José Bernardo da Silva, José Vitorino Damásio, Sebastião do Canto e Castro de Mascarenhas, José Diogo Mascarenhas Mousinho de Albuquerque, Valentim Evaristo do Rego.
Em segundo lugar, vamos abordar a influência da participação dos quadros técnicos (telegrafistas e engenheiros) nas Exposições Universais, na utilização dos aparelhos telegráficos e na construção de novos aparelhos. Neste âmbito, importa salientar o espírito inovador de Cristiano Augusto Bramão e de Maximiliano Augusto Herrmann.
O cruzamento das duas realidades enunciadas, uma centrada nas estratégias de gestão de investimento e cooperação levadas a cabo pelos quadros de direcção do sector da telegrafia, outra baseada na análise da capacidade técnica dos funcionários dos serviços telegráficos, vai permitir uma reflexão alargada sobre a implementação da telegrafia eléctrica em Portugal.
Esta análise pode trazer novos contributos para a compreensão do desenvolvimento da telegrafia eléctrica em Portugal, enquadrada no contexto europeu, na perspectiva da internacionalização das experiências nacionais de inovação tecnológica e as relações diplomáticas que permitiam a negociação para a construção de uma rede internacional de comunicação.

Rui Miguel da Costa Pinto (Sociedade de Geografia de Lisboa) - The Geographical Society of Lisbon and the new challenges in the science of the XIX and XX centuries

The Lisbon Geographical Society (SGL) was founded in 1875 following a movement that spread across Europe, creating institutions of a similar nature, namely in Paris, Berlin and London.
Luciano Cordeiro and an ample number of intellectuals of that period were responsible for the foundation of the Lisbon Geographical Society.
The Portuguese government placed the “Permanent Central Commission for Geography”, that had been created in the Ministry of  the Navy and Overseas Possessions, by decree on the 17th of February of 1876, in the Society, with the objective of “organizing scientific expeditions, collecting samples and documents that were relevant to the development and improvement of geography, ethnological history, archeology, anthropology and natural sciences in relation to the Portuguese territory, namely the overseas possessions, promote and cooperate with any projects related to these sciences, and propose to the government all measures to ensure more and better knowledge of those vast and important regions”.
Thus the Society was born for the “study, discussion, teaching, investigation, and scientific expeditions of the various branches of geography, principles, relations, discoveries, progress and applications.
Up to this day the Lisbon Geographical Society has been a reference in scientific investigation in practically all branches of knowledge.
We shall analyze their most relevant contributions in the last 136 years.

Alexandra Marques (CEHFCi, UÉvora) - Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa e a Epidemia de Cólera de Lisboa de 1894. Debates e polémica científica

Em Abril de 1894 abatia-se sobre Lisboa uma epidemia de cólera. A sua difusão foi muito rápida expandindo-se largamente da capital para os arredores. Começando a manifestar-se em Dezembro de 1893 esta epidemia atingiria o seu ponto alto em Abril do ano seguinte. Em Maio a doença podia considerar-se extinta, e apesar dos poucos casos fatais a ela associados, contavam-se ainda assim neste contexto, cerca de seis mil casos de doentes atacados por diarreias coleriformes.
A urgente necessidade de identificar o agente causal da doença, com o fim de se tomarem as devidas medidas sanitárias, levou o governo a incumbir Câmara Pestana do seu estudo bacteriológico. A 14 de Abril o director do Instituto Bacteriológico de Lisboa dava assim início aos trabalhos de investigação a partir das fezes dos doentes afectados.
Na sessão de 22 de Abril de 1894 votava-se na Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, a nomeação de uma Comissão encarregue de elaborar um relatório sobre a epidemia de Lisboa, com o duplo objectivo de se atribuir uma terminologia à doença reinante, e de se tomarem providências no âmbito da Saúde Pública. Neste contexto, a Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa foi, desde Abril a Julho, o palco da grande controvérsia que opôs a clínica à bacteriologia, sobretudo, logo após as conclusões veiculadas nos relatórios de Câmara Pestana e publicadas em Diário do Governo de 9 de Maio de 1894. Foram figuras centrais neste debate Câmara Pestana, Carlos Tavares e Sousa Martins.
A breve trecho, as conclusões resultantes dos trabalhos experimentais de Câmara Pestana transformam-se no ‘objecto de discussão’ (Teixeira, 2004) nesta Sociedade. Sousa Martins, que do ponto de vista clínico, afirmava estar na presença da cólera-asiática, pretendia ver as suas convicções validadas por parte da bacteriologia.
Passados dez anos da (re)descoberta do Koma bacilo por Robert Koch, como agente causal do cólera (Baldwin, 2004), algumas dúvidas persistiam quanto às características que este bacilo assumia quando ocorriam novos surtos epidémicos daquela doença. Com base nas ‘Actas das sessões da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa’, pretende-se aqui analisar o modo como a comunidade médico-científica de Lisboa acabou por canalizar ‘o bacilo de Lisboa’, assim denominado por Câmara Pestana, para junto de alguns dos mais importantes bacteriologistas europeus dos finais do século XIX no contexto desta Epidemia em Lisboa.
Referências:
BALDWIN, Peter, Contagian and the State in Europe, 1830-1930, Cambridge, Cambridge University Press, 2005.
GARNEL, Rita, “Portugal as Conferências Sanitárias Internacionais (Em torno das epidemias oitocentistas de cholera-morbus), Revista de História da Sociedade e da Cultura, 9, 2009, pp. 229-251.
TEIXEIRA, L. António, “As febres paulistas na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo: uma controvérsia entre porta-vozes de diferentes saberes”, História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 11 (suplemento 1), 2004, pp. 41-66.

Manuel Correia (CEIS20) - Portugal-Brasil: mola real do Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina de Egas Moniz (1949)

Na sequência de quatro nomeações para o Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina (1928-1933-1937 e 1944), os cientistas brasileiros entraram em cena e agiram de forma decisiva na construção de um bloco de influência que abriu caminho ao primeiro Prémio Nobel português. Apesar de o esforço político e diplomático aparecer dissociado do apoio concreto ao mérito científico do neurologista português, as relações científicas internacionais entre brasileiros e portugueses constituíram o eixo central da nobelização de Egas Moniz.
Passamos em revista três aspetos desta problemática: a constituição da rede de relações (1928); a participação de cientistas brasileiros na 1ª Conferência Internacional de Psicocirurgia, em Lisboa (1948); e o peso do Brasil no conjunto de nomeações para o Prémio Nobel de 1949.
O processo permite ainda pôr em destaque a tensão entre valores nacionalistas e internacionalistas na afirmação simbólica do lugar da ciência e dos cientistas na segunda metade do Século XX.

Quintino Lopes (CEHFCi, UÉvora) - A Junta de Educação Nacional (1929/36) e as bolsas de estudo no país: a investigação científica num Portugal europeizado

Em 1929, visando a renovação científica, pedagógica e económica nacional, a Ditadura Militar cria a Junta de Educação Nacional. Seguindo de perto a prática de congéneres internacionais, com destaque para as instituições belgas e a espanhola Junta para Ampliación de Estudios, fundada em 1907 (1,2,3), a JEN institui bolsas de estudo no país e no estrangeiro, apoia financeiramente centros científicos e institui serviços de expansão cultural e intercâmbio intelectual, visando a nossa europeização científica em articulação com a expansão da cultura nacional (4,5,6). Analisando a totalidade das bolsas de estudo atribuídas no país identificaremos as características dos bolseiros, os mecanismos pelos quais eram controlados, e as características das bolsas. Deste modo pretendemos aferir: relação entre bolsas de estudo dentro e fora do país (preparação interna de futuros bolseiros no estrangeiro/prolongamento dentro das fronteiras nacionais de estudos iniciados no estrangeiro); existência ou não de progressão nas carreiras dos investigadores subsidiados durante usufruto da bolsa; prioridades da JEN em termos de idade dos bolseiros (investimento em jovens investigadores/consagrados); mapeamento dos principais locais/instituições de destino; existência ou não de prorrogações de bolsa e processos por que decorrem; áreas temáticas mais financiadas; controlo sobre trabalho efectuado pelos bolseiros e suas implicações no desenvolvimento científico nacional (7).
1) Revista de educación, Nº Extraordinario, 2007: “Reformas e innovaciones educativas (España, 1907-1939) En el Centenario de la JAE”. Ministerio de Educación y Ciencia. Disponível on-line em http://www.revistaeducacion.mec.es/re2007.htm
2) Asclepio: Revista de historia de la medicina y de la ciencia, Vol. 59, Fasc. 2. 2007.
3) HALLEUX, Robert; XHAYET, Geneviève – La Liberté de Chercher: Histoire du Fonds National Belge de la Recherche Scientifique. Liège: Editions de l’Université de Liège, 2007.
4) ROLLO, Maria Fernanda [et all] – Ciência, Cultura e Língua em Portugal no Século XX. Da Junta de Educação Nacional ao Instituto Camões. Lisboa: Instituto Camões; Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2012.
5) LOPES, Quintino – A Junta de Educação Nacional/(Instituto para a Alta Cultura) – 1929/38 – e os Congressos Científicos: Trocas e Circulação de Saberes in Carlos Fiolhais et al. (coord.). LIVRO DE ACTAS DO CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011. pp. 1399-1411 (co-autor com Fátima Nunes e Augusto J. S. Fitas).
6) NUNES, Maria de Fátima – “The History of Science in Portugal (1930-1940) The sphere of action of scientific community”, e-JPH - e-journal of Portuguese History - vol. 2, number 2, Summer 2004.
7) Arquivo Histórico do Instituto Camões (Espólio Documental da Junta de Educação Nacional)
[Documentação acedida através do Projecto de Investigação HC/0077/2009 “A investigação científica em Portugal no período entre as duas guerras mundiais e a Junta de Educação Nacional”. Projecto financiado pela FCT e dirigido pelo Professor Doutor Augusto J. S. Fitas (CEHFCi – UE), 2010-2012]

Pedro Lopes de Almeida (CITCEM; APARG - Instituto de Filosofia, UP) - Roman Jakobson, Luciana Stegagno Picchio, Fernando Pessoa: entre estruturalismo e filologia. Tensão e convergência na definição de um paradigma crítico-literário

A publicação, em 1968, do artigo «Les oxymores dialectiques de Fernando Pessoa» (JAKOBSON & STEGAGNO PICCHIO, 1968), de Roman Jakobson e Luciana Stegagno Picchio, constitui um ponto referencial na internacionalização do estudo da obra de Pessoa. A análise a que os autores submetem um texto de Mensagem apresenta todas as propriedades do método jakobsoniano de abordagem poética, identificando padrões linguísticos com base na distribuição de categorias gramaticais, fonéticas e semânticas, numa assumida procura da objectividade analítica, justificada pelo projecto de constituição de um paradigma científico de estudo da literatura (CULLER, 1975: 65). Mas se Roman Jakobson confirma aqui em pleno as suas teses, já atendendo à investigação que Stegagno Picchio dedicara à literatura de língua portuguesa, suportada num modelo de tipo filológico de forte incidência historiográfica, verifica-se um relativo contraste paradigmático, evidenciado na supressão completa de todas as referências contextualistas exteriores ao poema em análise. Apesar disso, o estudo de Jakobson/Stegagno Picchio exibe interessantes pontos de contacto com práticas filológicas dominantes na cena crítico-literária portuguesa da primeira metade do século XX, como revelará a co-autora em textos posteriores (STEGAGNO PICCHIO, 1982: 337-338), permitindo entrever afinidades metodológicas pouco frequentes entre práticas de tipo estruturalista e a escola da “estilística” filológica. Esta comunicação visa enquadrar a colaboração de Jakobson e Stagagno Picchio no desenvolvimento do paradigma crítico-literário da cultura de língua portuguesa,  dando particular enfoque ao lugar do ensaio sobre Pessoa no sistema teórico jakobsoniano e nas suas relações com o modelo estruturalista, bem como à relação que este estudo estabelece com os contextos filológicos tradicionais. 
Referências:
CULLER, Jonathan. 1975. Structuralist Poetics. Structuralism, linguistics and the study of literature. London and New York: Routledge [2002].
JAKOBSON, Roman & STEGAGNO PICCHIO, Luciana. 1968. «Les oxymores dialectiques de Fernando Pessoa». In: Langages, 3e année, n.º 12, pp. 9-27.
STEGAGNO PICCHIO, Luciana. 1982 (1973). “Réflexions sur la méthode philologique”. In: La Méthode Philologique, écrits sur la littérature portugaise (vol. 1). Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português. 

Ricardo Brito (ICS-UL) - A Sociedade Portuguesa de Estudos Históricos no contexto historiográfico nacional (1911-1928)

Sociedade científica no campo dos estudos históricos que surge nos primórdios da I República (1911), a SPEH congregou um conjunto significativo de figuras da elite intelectual do seu tempo, como Fidelino de Figueiredo, Fortunato de Almeida, João Lúcio de Azevedo, Edgar Prestage, entre outros. Nela afirmaram-se diversas tendências historiográficas.
Pretende-se nesta comunicação apresentar as linhas gerais que pautaram a acção desta sociedade de historiadores (a primeira do género em Portugal), como a reacção crítica ao positivismo (historiográfico) e acção política republicana. Iremos igualmente debruçarmo-nos sobre o seu universo de sócios e os trabalhos publicados no seu órgão, a Revista de História (1912-28), com um destaque particular para a participação de autores estrangeiros.


Painel III - Da Internacionalização da Ciência ao Internacionalismo Científico

Luís Pequito Antunes (CEHFCi, UÉvora) - Relações de vizinhança e internacionalização da ciência em Moçambique: os encontros científicos internacionais realizados em Lourenço Marques (actual Maputo) entre 1913 e 1968

Entre 1913 e 1968 realizaram-se em Lourenço Marques (actual Maputo), Moçambique, um conjunto de encontros científicos  organizados pela South African Association for the Advancement of Science [2S3A] (1913, 1922, 1948, 1958 e 1968), pela Union of South Africa Medical Association [USAMA] (1938) e pela South African Museums Association [SAMA] (1966) que contaram com o apoio dos governadores-gerais e serviços coloniais até 1938 e depois desta data com a colaboração da Sociedade de Estudos da Província de Moçambique, Associação Industrial de Moçambique [AIM] e do Instituto de Investigação Científica de Moçambique [IICM]. A história destes encontros permite verificar a existência de dinâmicas locais  que resultaram na criação, em Lourenço Marques, do Museu Provincial (embrião do Museu Dr. Álvaro de Castro) em 1913, na divulgação do trabalho científico desenvolvido pela Estação de Biologia Marítima da Inhaca num Symposium integrado no encontro da 2S3A de 1958  ou, ainda, na organização do «Simpósio Regional da África Austral sobre Informação Científica e Técnica» em simultâneo com o encontro da 2S3A de 1968 . Permite, também, verificar a surpresa da comunidade médica sul-africana ao constatarem a qualidade das comunicações apresentadas pelos médicos portugueses no congresso de 1938 . E permite igualmente constatar a actualidade internacional dos assuntos tratados em museologia ao abordar o tema «Museus – o seu papel nos campos científico, cultural e educacional» na reunião de 1966 do SAMA. A duração dos congressos, cuja média de inscritos rondava os 200 participantes, era de cinco ou seis dias repartidos entre sessões solenes, conferências, visitas a museus, laboratórios, observatórios, estações experimentais, passeios e excursões a locais turísticos de Lourenço Marques e arredores que serviam para reforçar o espírito de união entre os cientistas presentes nos encontros e dar a conhecer a realidade científica, cultural e turística de Moçambique. As comunicações apresentadas, maioritariamente em torno das ciências aplicadas, retratam, por um lado, a necessidade dos Estados coloniais em dominar a natureza e os homens que a habitavam a fim de a tornar economicamente viável  e, por outro lado, o dinamismo da ciência sul-africana resultante do facto de, desde os finais do século XIX, possuírem universidades e instituições dedicadas à investigação científica, de que são exemplo os museus de história natural . O espírito científico existente na região não só favoreceu o intercâmbio de saberes entre as comunidades de cientistas moçambicana e sul-africana como possibilitou a internacionalização da investigação científica colonial produzida localmente em Moçambique. De facto, as comunicações apresentadas nos encontros e publicadas em língua inglesa nas actas ou nas revistas científicas sul-africanas foram permutadas com outras publicações de universidades e centros de investigação na europa e na américa, o que permitiu divulgar o saber produzido junto dos países coloniais. Naturalmente que o dinamismo existente foi aproveitado pela África do Sul, nomeadamente a partir da década de quarenta e com a conivência de Portugal, para quebrar o isolamento internacional a que estava votada por causa do apartheid.

Ana Azevedo (IHC, FCSH-UNL) - A TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTOS DE ORGANIZAÇÃO CIENTÍFICA DO TRABALHO: O PAPEL DOS CONSULTORES INTERNACIONAIS EM ORGANIZAÇÃO

Vários factores se conjugam na tentativa de explicação do desenvolvimento e difusão de princípios e métodos de organização científica do trabalho nas várias realidades nacionais. Nesta comunicação, propomos um olhar sobre o impacto do desenvolvimento internacional do sector da consultoria em organização e da transferência de conhecimentos e técnicas que o mesmo provoca, como um elemento a ter em conta na compreensão da evolução da organização científica do trabalho no pós Segunda Guerra português.
De facto, ao atentarmos em alguma da bibliografia internacional deparamo-nos com uma série de estudos que enfatizam as questões do desenvolvimento da consultoria em organização e a relacionam com a difusão da organização científica do trabalho. Parece, assim, ser claro para alguns autores que o mercado da consultoria e os princípios de organização científica do trabalho se difundiram paralelamente, tendo, cada um deles, aproveitado as possibilidades de crescimento de ambos.
Ora, ao atentarmos no caso português, verificamos que uma das mais importantes características da difusão da organização científica do trabalho prende-se com o papel das firmas de consultoria no aconselhamento, estudo e implementação destes métodos de trabalho nas empresas. Desta forma, podemos afirmar que esta mesma difusão se encontrava, em certa medida, dependente da transferência de conhecimentos técnicos proporcionada pelos consultores, transferência esta que se expandia numa lógica internacional na qual Portugal é envolvido. De facto, juntamente com os impulsos da ajuda Marshall, também pela acção destes consultores foi feita a transferência do «know-how» que se começa a formar no País e que se traduz, por exemplo, na constituição de núcleos de produtividade em algumas empresas e organismos públicos e privados.
Assim sendo, podemos afirmar que, também em Portugal, a difusão da organização científica do trabalho se encontra, de certo modo, ligada ao desenvolvimento internacional do sector da consultoria, ramo que, tendo ganho maior visibilidade com o desenvolvimento da organização científica do trabalho, acaba por ser um dos elementos responsáveis pela sua expansão internacional, numa relação de cumplicidade que também em Portugal se torna visível.

Paulo Vicente (IHC, FCSH-UNL) - “Embaixadores do internacionalismo científico”. A Comissão INVOTAN e o Science Fellowship Programme do Comité Científico da NATO (1958-1970)

No campo internacional, a segunda metade do século XX foi pautada por episódios interessantes que fomentaram um internacionalismo científico, ora condicionado, ora impulsionado por uma Guerra Fria que paulatinamente foi incluíndo a economia, a ciência e a tecnologia no palco da competitividade.
No rescaldo da década de 1950 e após episódios como a Conferência de Genebra ou o Ano Internacional Geofísico, estabeleceu-se o receio de um potencial científico soviético superior ao dos aliados. Por outro lado, surge uma geração de intervenientes que acreditavam numa nova Era, baseada na supremacia da ciência como “factor directo de conflito”. Considerando isto, foram elaborados diversos relatórios dos quais devemos destacar o célebre Manpower for Freedom do Senador Henry Jackson que, convergindo com estes factos e conjunturas, resultam na proposta e efectiva constituição de um Comité Científico no seio da NATO com o objectivo de melhorar o potencial científico ocidental. O mais importante pilar deste comité e da estratégia que ele representa é o seu programa de concessão de bolsas científicas, o Science Fellowship Programme que ocupa a maior parte do orçamento do Comité, com um apoio especial a cientistas de nações cientificamente menos favorecidas como a Grécia, Turquia ou Portugal, compensando a sua falta de recursos.
Neste programa, o Comité Científico é responsável pela sua administração generalizada. Já a escolha dos bolseiros e outros assuntos mais específicos cabiam a cada país aliado participante. Era altamente aconselhado que cada país tivesse um agente responsável pela «micro-administração» do programa que contribuísse para uma maior eficiência do mesmo e agilização dos contactos entre as potências aliadas e o comité. Tal responsabilidade cabia, no caso português, à Comissão Coordenadora de Investigação para a OTAN, a INVOTAN, criada no último trimestre de 1959 com o objectivo expresso de dialogar com o Comité Científico da NATO sobre este e outros assuntos científicos.
A presente comunicação pretende analisar sobretudo a importância do programa de bolsas do Comité Científico, quer para a compreensão da génese da Comissão INVOTAN, quer como notas para a primeira década de funcionamento do programa, com especial enfoque nas matérias escolhidas e na evolução dos investimentos, conferindo-nos um vislumbre interpretativo distinto da Guerra Fria nas décadas de 1950 e 1960.

Cristina Silva e Gonçalo Furtado
(Faculdade de Arquitectura, UP) - Divulgação Internacional da Arquitectura Portuguesa 1977 - 1983


A investigação “A Percepção Internacional da Arquitectura Portuguesa 1976 – 1992”  foi motivada pela consciência de ser premente reflectir sobre o “emergir” do impacto da Arquitectura Portuguesa no estrangeiro, tema que não é abordado com o devido fôlego em nenhum lugar. A atribuição de prémios Pritzker a dois arquitectos nacionais - Siza Vieira em 1992 e Souto de Moura em 2011 - é um dos sinais mais evidentes desse impacto, sobre o qual urge reflectir numa época de crescente reflexividade, dado que também o campo da cultura e mesmo da prática da arquitectura não se compadece com uma falta de consciência de si.
Da investigação que vimos desenvolvendo, ressaltamos neste artigo o período que decorre entre o ano de 1977 e de 1983. Trata-se de um intervalo de tempo importante e que funciona como charneira - aí mantém-se algumas das características de anos anteriores, ao mesmo tempo que se assiste à introdução, por vezes subtil, daqueles parâmetros novos que irão pautar a divulgação que lhe procederá.
Analise-se então a difusão da Arquitectura Portuguesa neste período através dos seguintes aspectos: número de edições e eventos em que é mencionada, a sua distribuição geográfica, os temas que permanecem como objecto de interesse, a introdução de outros, as pessoas que continuam o seu trabalho de divulgação de anos anteriores e outras novas que o iniciam, e por fim, o contexto teórico em que alguns Países a Arquitectura Portuguesa é apresentada.
De tal análise, focada neste período, constata-se em termos gerais ser aí que a Arquitectura Portuguesa consolida a sua divulgação. Inicialmente podemos caracterizar a sua edição como ocasional, em resposta à curiosidade do exterior quanto a uma experiência ligada às mudanças provocadas por um acontecimento excepcional sociopolítico (a Revolução e corolárias transformações em Portugal) - o SAAL, à qual se juntava o interesse por uma obra de um arquitecto pouco comum - Siza Vieira. Como aludíamos, seriam estas singularidades exóticas, que abririam a possibilidade de toda uma produção vir a ser presença frequente nos circuitos internacionais de divulgação da disciplina. De facto, como objecto de desejo e deleite aprimorado de um certo entendimento da Arquitectura Portuguesa nesse período, a obra de Siza Vieira, muitas vezes considerada marginal, até por analogia com a sua proveniência geográfica, demonstrou ter argumentos cruciais para uma corrente então imberbe e periférica, mas que se viria a impor no seio do debate da disciplina da Arquitectura, incluso internacionalmente.
A nosso ver, a análise dos parâmetros antes mencionados, nomeadamente a constatação do aumento do número de eventos em que a Arquitectura Portuguesa é mencionada, a sua crescente abrangência geográfica, a manutenção e diversificação de temas, bem como dos seus divulgadores e o impacto teórico da sua divulgação em certos Países, constituem-se como indícios de toda uma crescente importância da Arquitectura Portuguesa. Importância que hoje percepcionamos como óbvia, mas cuja emergência possui as suas próprias histórias e pequenas viagens, até chegarmos à massiva visibilidade em décadas recentes em meios de divulgação internacionais da disciplina.

Fernando Clara (FCSH-UNL) - Internacionalismo da Ciência no tempo dos Nacionalismos. O Instituto Ibero-Americano de Berlim (1929-1945)

No início de um relatório sobre a política científica e diplomática norte-americana elaborado para o Congresso em 2009 deixa-se escrito: “Science and engineering activities have always been international.” (Stine, 2009: [2])
Ora um olhar histórico não pode deixar de considerar, na verdade, que nem “sempre” foi assim. Muito pelo contrário, desde há pelo menos cinco séculos que a História do mundo ocidental tem vindo a ser decisivamente marcada pelos nacionalismos, num movimento que, com diferentes nuances e em diferentes épocas, não tem evidentemente deixado incólumes a Ciência ou a Diplomacia.
A comunicação procurará dar conta das tensões que presidiram à formação, actividades científicas e diplomáticas de uma instituição alemã claramente virada para o internacionalismo (o Instituto Ibero-Americano de Berlim) num período reconhecidamente marcado pelos radicalismos nacionalistas.

Cláudia Ninhos (IHC, FCSH-UNL) - A Internacionalização da «Ciência Alemã». Os bolseiros portugueses e a sua divulgação em Portugal (1933-1945)
Face à necessidade de um “organismo” que coordenasse e desenvolvesse a actividade cultural e científica no país, foi criada, em 1929, a Junta de Educação Nacional. No decreto que originou esta instituição, frisava-se que, para desenvolver a investigação científica em Portugal, era importante regressar ao “caminho tradicional”, isto é, ao envio dos “estudiosos” para os “centros estrangeiros de mais alta cultura”. Para além disso, era essencial que o país pudesse participar no “movimento mundial de coperação intelectual”.
Ao longo dos anos, a Alemanha assumiu-se como um dos “centros estrangeiros de mais alta cultura” com o qual a JEN e, depois, o IAC, mais intensamente contactou. Para lá foram enviados vários bolseiros, assinando-se, inclusivamente, acordos com instituições alemãs que promoviam o intercâmbio académico entre os dois países.
O objectivo desta comunicação será, pois, analisar o percurso dos bolseiros portugueses que estiveram na Alemanha, de forma a responder a algumas questões, essenciais para compreender a inserção de Portugal na “Terceira Frente” de guerra (Herbert Scurla) recuando, no entanto, até 1929. O que levou estes portugueses a estudar no Reich? Quais as principais áreas de estudo destes bolseiros? Que papel tiveram na internacionalização da “ciência alemã” em solo português. Para além do intercâmbio de bolseiros, procuraremos compreender as diversas facetas do relacionamento cultural e científico entre Portugal e a Alemanha, tendo sempre no centro da interpretação a JEN e o IAC enquanto interlocutores.

Ana Cristina Martins (IICT) - O 1.º Congresso Nacional de Arqueologia (1958) entre a internacionalização da ciência e o internacionalismo científico

A proximidade às comunidades científicas europeias foi uma constante em Portugal, também no domínio da arqueologia. Disso é exemplo a presença em encontros marcantes da sua história, assim como a vinda, ao nosso país, de alguns dos seus renomes, como sucedeu quando do 9.º Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-Histórica (Lisboa, 1880). A viragem, porém, do novo século e, com ele, o desaparecimento de pioneiros da arqueologia nacional, esmoreceu estes contactos, reavivados, pontualmente, por quem conseguia, a título pessoal, beber novos paradigmas em escolas estrangeiras, compreendendo a sua essencialidade para institucionalizar a ciência que cultivavam. Foi necessário esperar alguns anos para que a visão republicana sobre a ciência e o património e, mais tarde, a gestão centralizadora do Estado Novo, abrissem caminho ao reconhecimento da arqueologia, perante o sustento que podia conferir a determinadas agendas. Tal não impediu, porém, que os contactos fossem alimentados, conquanto de maneira intermitente e, até, esporádica. Não obstante, o meio académico português beneficiou com a presença de entidades estrangeiras, motivando novas linhas de investigação, já em plena década de 60.
Mas, e quanto ao reverso? Que impacte tinham os estudos arqueológicos portugueses além-fronteiras? Existiria, neste sentido, uma verdadeira internacionalização da arqueologia, quando era inquestionável o internacionalismo desta disciplina?
Responder a estas questões, obriga-nos a rever diversos casos. Entre eles, o 1.º Congresso Nacional de Arqueologia. Realizado tardiamente (1958), quando cotejado a exemplos estrangeiros, este encontro marcou o cenário arqueológico português, ao congregar a maioria dos que se dedicavam ao seu exercício, identificando protagonistas, temas e fontes primevas, ao mesmo tempo que permite esclarecer círculos de influência nacional e internacional, putativas diferenças entre a arqueologia em Portugal continental e nas ex-colónias, e, acima de tudo, retirar ilações quanto a conceitos predominantes. Mais do que isso, a leitura das suas actas permite-nos divisar novas correntes que ascenderiam, em breve, na arqueologia interna, encerrando um ciclo e rasgando caminho a toda uma geração de investigadores ávida de leituras multiplicadas em escaparates anglo-saxónicos, a escrutinar na nossa comunicação.